Conteúdo de Game Design
Este é um texto colaborativo, inicialmente escrito por Paulo Barbeiro, e aguardando modificações por parte da comunidade Python-gamedev-brasilhttp://groups.google.com.br/group/python-gamedev-brasil.
Referência inicial, o livro "The Computer Game Design Course" de Jim Thompson.
TEORIA DOS JOGOS
Um pouco de História
Jogos são elementos culturais que estão entre nós há milhares de anos. Desde os primeiros relatos históricos e achados arqueológicos, lá estava o ser humano se divertindo com jogos. Achados arqueológicos do antigo Egito falam de um jogo chamado Senet a 3500AC, o Go tem pelo menos 4000 anos e o Xadrez 1000 anos de existência. Essa proximidade do ser humano com a diversão através de jogos, é fonte de muitas pesquisas e teorias. Um famoso pesquisador chamado Johan Huizinga, escreveu um dos primeiros trabalhos sobre o assunto chamado Homo Ludens em 1938. Neste texto ele define a atividade do jogo da seguinte forma: “Jogar é uma atividade ou ocupação voluntária executada em um determinado período de tempo e espaço, de acordo com regras livremente aceitas mas absolutamente fechadas, com o objetivo em si mesma e acompanhada por uma sensação de tensão, alegria, e consciência da diferença para a vida comum.” Essa definição baliza a criação de jogos digitais e não-digitais até hoje. Analisando a estrutura dos jogos, percebe-se que neles existem duas grandes características, os objetivos e a recompensa, e geralmente quando se atinge o objetivo o jogador vence. Os objetivos podem ser a eliminação de oponentes, vencer uma corrida, atingir alvos ou coletar objetos. E a recompensa pode ser simplesmente demonstrar sua superioridade ante os oponentes, conquistar mais sociabilidade e se divertir. Aliás, muitos jogos são projetados para que a diversão seja a maior recompensa dos jogadores, e onde mesmo perdendo o jogo, a exeriência seja praseirosa.
Princípios
Depois de Johan Huizinga muitos outros pesquisadores escreveram suas impressões sobre jogos e sua relação a sociedade. Um pesquisador contemporâneo chamado Jesper Juul, escreveu o seguinte, para dar uma definição, e os elementos fundamentais, para que uma atividade seja considerada um jogo: “Um Game é um sistema formal baseado em regras com um resultado variável e quantificável onde diferentes resultados são associados a diferentes valores. Os jogadores depreendem esforços para influenciar o resultado sentindo-se ligados a estes resultados e as consequências desta atividade são opcionais e negociáveis” (The Game, The Player, The World: looking for a heart of gameness)
Então vamos sumarizar os elementos:
1) Regras fixas: as regras devem ser bem definidas, para que não sejam contestadas em cada partida.
2) Resultado variável e quantificável: As regras devem prever os resultados para cada ação, e o resultado das ações deve ser quantificável de forma clara.
3) Valorização do resultado: As regras devem prever que resultados de ações mais complexas, sejam mais valiosos, que resultados de ações simples.
4) Esforço do jogador: O esforço do jogador deve ser recompensado há altura.
5) Ligação do jogador ao resultado: É uma característica psicológica do jogo. Onde o jogador deve ficar feliz ao ganhar pontos, ou triste ao perder. É algo complexo de ser adicionado ao jogo, uma vez que depende diretamente do momento em que ocorre durante a partida.
6) Consequências negociáveis: Os resultados do jogo ficam, no jogo. Ou seja, se o jogador for morto pelos montros, basta reiniciar a partida para continuar vivo.
Elementos
Jogos possuem basicamente três elementos. São eles:
1) Regras
2) Peças
3) Arena
As regras são fundamentais para que o jogo possa ser jogado por mais de uma pessoa, por mais de uma vez, e em diferentes momentos. Elas fornecem uma estrutura ao jogo, uma forma para o inicio, o desenvolvimento e o fim da diversão, determinando possibilidades e limitações ao jogador onde ele poderá testar suas habilidades.
As peças são os personagens e objetos importantes para o desenvolvimento do jogo, que são manipuladas ou interagem com o jogador. Em jogos não-digitais, são geralmente cartas, pinos, bonecos, fichas, moedas etc. A peça do jogador (ou no popular, o avatar), é o coponente primário que deve representar o jogador dentro do jogo. É verdade que nem todo jogo possui uma peça que representa o jogador, mas sempre há componentes ligados a ação do jogador.
A arena é o limitador físico do jogo, o tabuleiro ou o cenário. Nem todos os jogos se utilizam de uma arena, como alguns jogos de cartas e dados.
Motivação e Objetivos
É na motivação e no objetivo, que está a razão pela qual o jogador se envolve ou não em um jogo.
Porque Jogar? Três tipos de motivação são recorrentes em jogos digitais, a motivação pessoal do personagem; ou uma motivação global; ou ainda uma motivação que une as duas anteriores, chamada Die Hard. Imagine três diferentes situações.
1) Você foi drogado e caiu em um sono profundo. Quando acordou viu no jornal que um gorila alienígena de 15 metros sequestrou sua namorada. E só você pode salvá-la.
2) Você foi drogado e caiu em um sono profundo. Quando acordou viu no jornal que um gorila alienígena de 15 metros ameaça destruir o planeta caso não sejam pagos $100 bilhões. E só você pode impedí-lo.
3) Você foi drogado e caiu em um sono profundo. Quando acordou viu no jornal que um gorila alienígena de 15 metros ameaça exterminar a humanidade, e sequestrou sua namorada para repovoar a Terra após a eliminação da humanidade. E só você pode salvar o mundo.
Agora seja honesto e diga, por qual razão vale mais apena jogar? As motivações que unem motivações pessoais e globais, são sempre mais cativantes para os jogadores.
Para vencer um jogo, os jogadores devem cumprir certos sub-objetivos, até que ele esteja apto a enfrentar o gorila alienígena. Esses objetivos, e mini-objetivos devem ser apresentados para preparar o jogador. Os bons objetivos são construtivos, ensinam o jogador a aprimorar suas habilidades, enquanto os objetivos ruins são apenas obstrutivos, e não dizem nada ao que tange a vivência do jogo.
GAME DESIGN
O que é Design
Bem, já vimos o que é um game, mas o que é design? Será que pode-se dizer que é só traduzir do inglês e temos “projeto”, e já é o suficiente? Design é arte? A resposta é não. E é exatamente por não ser o suficiente que a termo não foi traduzido para o português. O termo poder ter pequenas variações de definição, de acordo com a área de especialização do design, como Design Gráfico, Design de Produtos, Design Automobilístico etc... podemos entender melhor o termo design como uma atividade mercadológica que tem por objetivo a criação de produtos.
Portanto design não é simplesmente projeto, tampouco arte. O termo projeto remete a algo exato, onde há um objetivo a ser cumprido e um método para ser seguido, mas como design lida com consumo, que nem de longe podemos dizer que é uma atividade lógica nos seres humanos, e o design se encarrega de trabalhar com essa subjetividade do desejo consumista das pessoas. A arte tem a liberdade para ser ofenciva, questionadora e independente, o design não. O designer não tem toda essa liberdade, seu trabalho é criar produtos que satisfaçam os desejos, ou necessidades de consumo das pessoas, logo toda a criação do designer deve estar condicionada a cumprir certos objetivos mercadológicos.
Agora para especificar o design no contexto dos jogos. “Design é o processo pelo qual o designer cria um contexto para ser encontrado pelo participante de onde emerge um significado.” (Salen – Rules of Play, pg 41). Dessa forma o designer é quem cria o jogo; O contexto de um game é o seu espaço, objetos, narrativas e comportamentos dos elementos; o participante é o jogador, o habitante do jogo que explora e manipula o contexto durante a partida; o significado é aquilo que o participante apreende da partida, o que ele fantasia ser no mundo do jogo.
Saindo um pouco da teoria e indo para a prática, vamos pensar em um jogo de grande sucesso, God of War, lançado em 22 de março de 2005. Mas será que se tornou um sucesso só pelos seus excelentes gráficos, narrativa, e ótimos posicionamentos de câmera? Ou seria mais que isso? Vejamos a seguir.
Significado
Uma grande parte do trabalho de um designer é criar significado. Esse significado se refere a experiência/vivência que o produto trará para o consumidor. Qual vivência o jogo trará para o jogador? Quais as sensações se expera que ele sinta? Qual a importância aquele jogo terá para a sua vida?
Se analisarmos cada grande título de sucesso veremos que cada um tem sua história, o porque de seu êxito. Duas boas fontes para ver alguns desses casos são, uma série de documentários da Discovery chamado “A Era dos Videogames”, que pode ser vista pelo Youtube, e o blog Retro Games BR (http://retrogamesbrasil.blogspot.com/) de Luis Carlos Tocchio.
Mas agora, voltando a uma breve análise de significado do God fo War, por que um jogo que se passa num mundo mitológico grego, que já foi super explorado pela nossa cultura, se torna um grande sucesso? Um palpite...? Aí vai:
Se voltarmos um pouco na história, em 2001, um ataque terrorista desencadeou duas grandes ações militares, a primeira no Afeganistão, a segunda no Iraque. O clima de guerra se espalhou por todo o mundo, haja visto, as manifestações pela paz que ocorreram em cidades de todos os continentes, mas sem dúvidas era muito maior nos países diretamente envolvidos.
Então, para um game designer, não seria nada incomum ter a idéia de um jogo de guerra, afinal esse era o assunto que as pessoas conversavam pelas ruas, era talvez o assunto mais latente do momento. Mas porque não fazer um jogo de tiro em primeira pessoa? Um outro Counter-Strike? Isso provavelmente teria sido uma saída simples e que não surtiria no sucesso do jogo, mesmo porque não atenderia uma necessidade das pessoas que naquele momento já não eram tão favoráveis a guerra, ou ao menos tinham suas dúvidas. Mas oferecer uma estória de um soldado ambicioso que para ser invencível vendeu sua alma a um deus, que por sua vez lhe preparou uma cilada e criou um soldado confuso, angustiado e suplicando por algum conforto, e abdicando os temas reais e específicos como as invasões e as guerras sectárias no Iraque, e tratando o tema da guerra em sí, fez desse jogo um "arcabouço" de significados para o público.
Portanto, o trabalho de um game designer é suprir de algum significado a vida dos jogadores, e para isso, a observação da vida cotidiana é quase sempre a melhor fonte de inspiração.
Inspiração e Transpiração (Idéia, e pesquisa)
Toda idéia de jogo surge de uma inspiração ou motivação. Essa inspiração/motivação pode vir de diversos lugares, seja um produto que já existe (como filmes ou quadrinhos), fatos históricos, vida cotidiana, política, documentários que você assiste nas tardes de domingo, etc.
Nota: Existe um paradoxo na indústria de games - apesar de estarmos longe da real indústria de games, acho que vale apena falar sobre isso, porque não acredito que no Brasil, imaginando um surgimento dessa indústria por aqui, as coisas serão diferentes - onde há um desejo enorme por parte dos grandes publishers, de se encontrar novas temáticas, e formas de jogar, ou seja, novas e revolucionárias idéias. Mas por outro lado os mesmos publishers tem receio de comprar as novas idéias, por medo de que os jogos não sejam tão lucrativos.
Prática
Dessa forma, o game designer deve manter sua cabeça trabalhando 24 horas por dia e imaginando jogos brotando de cada lugar por onde seus olhos passam. Uma boa dica, é manter sempre consigo um caderno de anotações, e não ser crítico com relações as "viagens" que se possa ter, e se aventure pelos mais diversos campos de vivência que você possa passar, literatura, cinema, filosofia, história, esportes etc, e imagine-se jogando aquilo.
Ter uma boa idéia nem sempre é fácil, e tampouco garante um bom jogo. Mas a prática lhe abrirá caminhos pela criatividade, e para a resolução de problemas no seu jogo. Ter uma grande vivência em jogos já criados, pode ajudar, desde que você tome uma atitude analítica e crítica com relação aos mesmos, para não fazer mais do mesmo. Analise os jogos que você joga, critique-os, e melhor ainda imagine como poderiam ser diferentes.
Pesquisas
Depois de ter uma inspiração ou motivação sobre o tema do jogo, é necessária uma longa pesquisa sobre o tema. Exemplo, se você quiser falar sobre o cangaço, terá que fazer uma grande pesquisa sobre o cangaço, envolvendo todas as informações pertinentes ao tema, tais quais a geografia da região, biodiversidade, sociologia, cultura, etc.
Creio que seja desnecessário comentar a relevância dos engines de busca e da Wikipedia, com fonte de pesquisa, basta dizer: comece por eles! Mas lembrando que existem outras formas de se fazer pesquisas como livros, jornais, revistas, estatísticas, arquivos históricos, entrevistas com pessoas que conhecem bem o tema da sua investigação, sua câmera fotográfica, etc.
A razão das pesquisas é simples. Para você ter uma visão mais profunda do tema e então definir um conceito, e neste conceito qual será a melhor maneira de abordar o seu jogo. Um jogo de estratégia ou tiro em primeira pessoa? Seguindo uma narrativa bem definida ou um RPG?
Conceito
Quando a pesquisa estiver concluída, é hora de definir o seu conceito. A bem da verdade o conceito não é algo que surge somente no fim da pesquisa, ele vai amadurecendo durante a pesquisa. O conceito é, resumidamente, a ideia de seu jogo, escrita de forma sucinta.
Nos EUA, acredita-se que se você não for capaz de descrever seu jogo em aproximadamente cinco ou seis linhas de texto, que dizer que você ainda não sabe exatamente o que fazer. Um bom exemplo pode ser achado na internet, a dissertação de mestrado de Alexandre Machado de Sá apresentada na ECA(Escola de Comunicação e Artes) - USP(http://poseca.incubadora.fapesp.br/portal/bdtd/2007/2007-me-sa_alexandre.pdf). Nessa dissertação ele cria uma game bible, e com ela o conceito, e descrição do jogo Limbo:
“Visão Geral: LIMBO é um jogo de suspense em que o jogador controla um espírito desencarnado em busca de respostas que revelem quem foi o responsável por sua morte. O espírito terá habilidades crescentes que permitirão que a exploração seja cada vez mais eficiente assim o protagonista passará de testemunha imperceptível a personagem com poderes para alterar o rumo da história.
Sinopse: Luiz Grandier, um homem de 38 anos, de hábitos incomuns e suposto praticante de magia negra vivia num prédio de três andares e cinco apartamentos. Durante uma tempestade o prédio ficou sem energia elétrica, impedindo qualquer pessoa de entrar ou sair. Luiz Grandier foi assassinado nessa noite e seu espírito passou a vagar pelos apartamentos em busca de respostas que expliquem sua morte.”
Alguém pode dizer, “Ah! Isso não explica muita coisa!”, será que não mesmo? Vejamos as palavras chave: suspense, espírito, resposta, morte, habilidades crescentes, exploração, testemunha, poderes, incomum, magia negra, tempestade, três andares, cinco apartamentos.
Agora com essas palavras-chave, é possível planejar todo o jogo. A atmosfera do jogo, os gráficos, os sons, a criação dos personagens, os níveis, as animações etc. Faça o seguinte, para cada palavra-chave, pense em filmes, fotos, desenhos, músicas, letras, cartazes, cenários que arremetam a elas... Provavelmente, agora em sua cabeça você já tem a atmosfera do jogo
Portanto um conceito bem definido serve para duas grandes finalidades; 1) Vender o seu jogo; 2) Servir de guia para a construção do seu jogo.
Aplicação dos conceitos
O seu conceito deve servir como guia para o seu jogo. Um simples parágrafo de texto pode ser muito útil para você vender seu projeto a um cliente, mas pode não ser a melhor maneira de se comunicar com a equipe que vai te ajudar no projeto.
Como diz o ditado, “Uma imagem serve mais do que mil palavras”, então uma ótima forma para se transmitir suas idéias para a equipe é utilizar um mural. Essa idéia de mural é muito usada pela publicidade, chamada de mood board, serve para que imagens de referência para um determinado projeto sejam postas lado a lado, assim oferecendo uma série de referências visuais para a equipe.
Com base nessas referências, todo o projeto começa a ser desenvolvido. Se você fez uma pesquisa sobre o cangaço, no seu mood board, haverá fotos da caatinga, das roupas dos cangaceiros, dos armamentos, páginas de literatura de cordel, etc. Imaginando um mood board do Limbo, fotos dos filmes de Hichcock, O Exorcista, Poltergeist, e outras tantas possíveis.
Então já com os conceitos definidos, separados em palavras-chave, referências visuais, sonoras e outras, os seus personagens, cenários, níveis, já começarão a nascer com formas e características que os identificarão como elementos de um único jogo.